DAlila Teles Veras

Palestras e Debates

 PARA ALÉM DO BOJADOR 

DEVE HAVER MAIS DO QUE UMA SIMPLES RIMA 

Estrangeiros, sempre, como já disse o poeta. O meu documento de permanência definitiva no Brasil, pela enésima vez precisou ser renovado. Há meses, estou portando uma cópia autenticada do anterior, aguardando o novo documento. O bilhete de identidade português que requeri no Consulado de Portugal em S.Paulo, em janeiro deste ano, disseram-me, só me será entregue no próximo ano. Cidadã desprezível, nem de cá nem de lá, identificada por fotocópias de documentos em constante renovação, ainda sou obrigada a enfrentar, no retorno das viagens, a fila e as costumeiras perguntas para os estrangeiros, mesmo sendo este o meu país de residência.

"Pergunto ao vento que passa, notícias do meu país, e o vento cala a desgraça, o vento nada me diz" diz a canção de Manuel Alegre, magnificamente interpretada por Amália Rodrigues.

E nessas minhas situações tragicômicas, de cidadã provisória e sempre estrangeira, pergunto eu, sem saber exatamente a quem, mas certamente às criaturas detentoras de secretas informações:

1) para além dos sorrisos e das festas galantes das embaixadas e consulados, haveria vida inteligente para instalar departamentos culturais que fossem realmente  pólos aglutinadores e irradiadores da cultura dos cidadãos portugueses que por aqui vivem?

2) Os grandiosos Institutos disso e daquilo, implantados com sorrisos e pompas por presidentes e embaixadores provisórios, hipoteticamente para cidadãos provisórios como eu, existem, ou serão mais uma metáfora da espera de Dom Sebastião?

3) Não mereceriam os cidadãos portugueses residentes no Brasil o direito à informação sobre as verbas desses institutos, de nomes tão solenes e de existência misteriosa? Quais são os critérios para sua distribuição? Se não sou amigo do rei o meu projeto terá direito a elas?

4) Como fazer para que produtores culturais portugueses, residentes em terras brasílicas, sem dinheiro para patentes de comendador, possam ter livre trânsito nesses institutos e serem levados em conta por eles?

5) Como criar canais de comunicação permanente com as instituições culturais luso-brasileiras, se nunca me disseram sequer aonde funcionam e quem é que as dirige?

6) Como receber informações dos meus contemporâneos de letras e artes, se Portugal só é notícia por aqui nas (ainda) piadas de mau gosto?

7a. e última pergunta, ou talvez constatação: Se realmente quisermos acreditar que a pátria é nossa língua, estamos a cuidar bem pouco dela. Na África de língua portuguesa, cada vez se fala menos português. Em Timor, onde a língua oficial ainda é a portuguesa, essa já passou a ser uma língua estranha. O português perdeu para o inglês também em Moçambique, que agora pertence à Commonwealth, e passou a falar inglês. Tudo isso está a acontecer e nem sequer nos damos conta, porque estamos preocupados com coisas menores como debates sobre acordos ortográficos inúteis, elaborados por acâdemicos que desejam impor a língua por decreto.

Incompreensivelmente, calam-se Brasil e Portugal e dão as costas ao gravíssimo problema de Timor, onde um terço da população foi dizimada nos últimos 20 anos. Proponho que seja consignada na ata deste encontro, uma veemente moção de repúdio à matança que acontece em Timor, para a qual o Prêmio Nobel da Paz chamou a atenção. Um encontro de intelectuais não pode ficar alheio a uma questão tão grave, que atinge  milhares de seres humanos.

O Brasil não conhece o Brasil, citando mais uma vez um poeta, espécie de raça sempre maldita e temida por não ter papas na língua. Digo eu que o Brasil não conhece Portugal, Portugal só conhece o Brasil fictício das telenovelas e, como conseqüência, acha que todos aqui falam com sotaque carioca e fazem amor entre uma refeição e outra e mudam de parceiro a cada estação. Da África, então, nada, absolutamente nada sabemos. Estamos o tempo todo de costas uns para os outros. Ninguém, afinal, se conhece fora das panelas acadêmicas ou diplomáticas que, solenemente, nos classificam de Comunidade de Língua Portuguesa.

E é assim, meus caros amigos, que participo deste encontro, onde fraternamente nos abraçamos, sabendo de nossa impotência e de que tudo talvez continue como dantes no Conselho de Abrantes, mas com a esperança de que, pelo menos alguns, os aqui presentes, ficarão a saber que Para Além do Bojador deve haver mais do que uma simples rima.

   

Comunicação apresentada no II ENCONTRO DE ARTISTAS E INTELECTUAIS PORTUGUESES NO BRASIL E I COLÓQUIO DOS POETAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

nos dias 9 e 10 de novembro de 1996, no Clube Português, em São Paulo,

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