DAlila Teles Veras

PoeMas do livro À Janela dos Dias 

 

Lições de tempo

Vida murada

 

Sombrios
os muros encobrem
cidade e cidadãos
(o medo aquartelado
medo de ter medo)

 

Acuados
calados
diante da própria inépcia

 
   
Inventário precoce

Navegando

 

Velas à solta
minha nau enlouquecida
crava
em tua pele bravia
(gosto de alga e sal)

:

definitiva chancela

 

 
   
Elemento em fúria
Elemento em fúria

 

Ao pé das antigas tabuletas
grafitadas de sangue e esperma
foi desatrelada a canga
– campo de palha e fel
campesina
despiu as presunções
sobraçou as certezas
deter
minou

:

indignar-se
riscar o fósforo
centelha restauradora
– campo de figos e mel

 

 
   
Madeira: do vinho à saudade
Paisagem

 

Regressar
porque se é partida e fuga
e sempre deixamos alguém à espera
É rocha e água este tempo
de areias difusas a paisagem
               represada na garrafa

E o gênio à espera
                  à espera
de caridosas mãos que o desarrolhem
e o tornem eterno e faça-se a história

Que são os anos para quem
vive sob permanente encantamento?
Que é da existência
quando desfeita a paisagem?

 

 
   
Forasteiros registros nordestinos

"Nordestino é feito juriti, avoa depois do tiro mesmo com as tripas de fora. Teimoso, feito pau de buriti, quantas vezes tentem afundá-lo, quantas ele vem pra riba"

Chico Boíba, lavrador piauiense

I

As sementes no solo
O homem na soleira
esperam
hipotéticas chuvas
incerta germinação

II

O feijão
no solo cristado
nega-se a crescer
o homem
amarga na soleira
a fome antecipada

III

Solitária garça
mergulha no rio
solitário homem
atira a tarrafa
fatalistas, bem sabem ambos
da incerteza do gesto

 

 
   
A Palavraparte
Pequenas prosas em poema
Performance

a serena dama borda almofadas e ouve música antiga As notas do cravo de Rameau cravam verbetes em seu peito Flechas de envenenada emoção Incendeiam-se os átomos Explode o bastidor Rebentam as linhas nos nós e o sofá agora tapete mágico sobrevoa campinas e campos minados Arde a arte e o urdir é semântico Pássaro de incendiadas asas em vôo cego de sede e queimaduras
Demônios a postos Folhas em branco preparam-se Com a mesma solenidade com que há pouco bordava almofadas e ouvia música antiga a poeta modela palavras e poemas Apalpa letra a letra como faz com as laranjas e maçãs no mercado Escolhe as mais perfumadas e brilhantes Encadeia cor a cor tom sobre tom como nas linhas do bordado

soltar os nós e urdir as formas ?será da arte este eterno bordaR?

 

 
   
Alguns poemas (dispersos)
Paisagem marítima

 

Os guarda-sóis, cogumelos inúteis
espalham a cor, mais nada
Mulheres-lagartas untadas

deitam-se ao largo
fritando carnes e ócio

Na embalsamada paisagem
minhas lentes – único movimento
por vezo e ofício
fotografam o avesso
em invisível translação

 

Falsos haicais

entre dentes
as coisas dantes
emoções requentadas

 

                      nada além
                     do caminhar entre ramagens
                     e dos bolsos cheios de amoras

crescem as tentações
como pêlos
buço indesejável

                   folha madura estala
                   sábia, a terra a recolhe
                   húmus para a memória

 

 

 

Leituras Críticas

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