Conte-nos um pouco sobre o seu
"fazer poético".
- O meu "fazer poético" é um
ofício que abracei há mais de 30 anos e sobre o qual me
debruço com fúria de aprendiz.
De
todos os seus livros publicados, qual é o seu "xodó"?
- Não há nenhum "xodó". Nunca
estou satisfeita com um livro já publicado. Sempre acho que
poderia ter feito melhor. Talvez seja o próximo.
É pensamento corrente segundo o
qual o escritor precisa ter inspiração. Acredita em
inspiração?
- Sim, talvez com outro nome, com
menos carga mítica. Acredito em ideias que me são provocadas
pelos acontecimentos cotidianos. Vivências minhas e alheias.
Coisas de ver e ouvir contar. A cidade e os homens/mulheres
que nela vivem, suas mazelas, suas/minhas angústias, são a
minha matéria que, depois, com muito suor e alguma
criatividade, transformo em poesia.
Para
você, o que significa ser escritor?
-Não sei, mas reproduzo aqui um
breve texto que publiquei em meu blog, sobre as razões da
escrita, que talvez esclareça (ou confunda) essa questão do
ofício de escritor: Escrevo assim como o marceneiro prega,
cola, aplaina e lixa a madeira, vez ou outra martelando um dos
dedos no lugar do prego. Escrevo assim como o tipógrafo
escolhe a tipologia, capitulares e cartelas, compõe páginas,
apara o papel que ultrapassa a medida e, via de regra, suja as
mãos de tinta. Escrevo assim como a faxineira apaga manchas,
elimina riscos, tira o pó das superfícies e chega ao final de
cada jornada, ofegante e sem perspectivas, numa profissão sem
plano de carreira.
Conte-nos como é a experiência de
ser editora.
- Sempre digo que sou uma editora
de circunstâncias. Criei a chancela Alpharrabio Edições em
1993, publicando meus amigos escritores que circulavam e
circulam em torno da livraria do mesmo nome. Publico apenas o
que eu e um grupo que me auxilia achamos que vale a pena. Já
publicamos mais de 100 títulos de cerca de 40 autores, todos
da região do Grande ABC. Um catálogo do qual muito me orgulho.
Poesia, crônica, ensaio, romance... o que de melhor a região
produz. Mas não me considero uma editora na seu amplo conceito
de empresa, muito menos comercial. Publico por uma questão de
utopia, a utopia da página impressa que, pelo andar do andor,
tende a tornar-se passado. Publico cada vez menos. Estamos nos
dedicando, cada vez mais a pequenas tiragens, edições quase
artesanais, objetos gráficos lindíssimos, tanto visual quanto
no aspecto do conteúdo, quase sempre fora do comércio. Isso
tem sido possível, graças a Luzia Maninha, minha cunhada e
principal colaboradora, que assumiu quase que integralmente
esse setor com um entusiasmo que já não possuo e uma
competência que não tenho. Gosto de ver o resultado, me
emociono, mas não conheço o caminho da feitura e muito menos
do comércio. Gosto de celebrar o resultado..
Como surgiu a ideia de abrir uma
editora?
-Como já disse, pelas
circunstâncias. Pelo fato de haver pessoas à minha volta que
escrevem (bem) e precisam de alguém que os publique.
Quais são as maiores
dificuldades que encontra para publicar?
-Também como já disse, a
distribuição e a comercialização. Primeiro porque não publico
nada "vendável". A boa literatura hoje não é vendável. Nunca
publiquei auto-ajuda nem qualquer texto que faça concessões
para "vender". Guardo pra mim, no entanto, a certeza, de que
tudo que publicamos mereceu ser publicado e ficará em algum
escaninho de nossa história para o futuro.
Se alguém desejar publicar por sua
editora, quais são os procedimentos a serem seguidos? Há algum
pré-requisito?
- Eu diria, que... melhor não...
lembrando aquele personagem de Herman Melville, Barthelby, o
escrivão. Como disse, dedico-me atualmente a edições
artesanais, coisas pequenas que levam meses (até um ano, como
já foi o caso) para se concretizar e não há quem queira nem
tenha paciência de esperar por isso. Depois, acabamos de uma
forma ou de outra, "descobrindo" esses textos, sem que para
isso tenhamos que ser procurados.
Qual a sensação de ter uma
livraria (e espaço cultural) que se tornou uma referência na
região?
-Não sei. As coisas foram
acontecendo. Como diria o querido poeta espanhol, o caminho
foi sendo feito ao andar. Não houve planejamento nem metas. Se
hoje somos referência, acredito que seja pelo trabalho sério e
ininterrupto, levado no extremo da paixão (sem ela, ninguém
consegue levar adiante um fracasso comercial) e do compromisso
com a cultura da qual faço parte durante estas duas décadas.
Uma mensagem aos que desejam se
lançar no mundo editorial.
- Por tudo que já disse, não sou a
melhor pessoa para dar conselhos nessa seara. Tudo que fiz foi
por envolvimento e paixão, jamais fiz disso um meio de ganhar
a vida.
Outra pergunta que eu não fiz e
que você gostaria de responder.
- Sempre haverá o que perguntar e
o que responder. Convido você e todos que se interessaram numa
boa conversa (com perguntas e respostas e silêncios
filosofantes) sobre arte e literatura, a visitarem o
Alpharrabio (sim, "o", no masculino, como os íntimos chamam a
livraria, ou seja, o espaço, o lugar), pois para isso existe,
para isso foi idealizado, ou seja, para a troca e difusão de
ideias, o contato presencial que, num mundo de "amizades"
virtuais e duvidosas, ainda se faz necessário. Aguardo,
portanto.