DAlila Teles Veras

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Entrevista: DALILA TELES VERAS
IMES-NOTÍCIAS - Ano XIV - Nº 93    Novembro 2004
Veja abaixo alguns trechos da entrevista com Dalila Teles Veras, autora de mais de uma dezena de livros e que, à frente do espaço cultural Alpharrabio, há mais de 12 anos incentiva a criação, discussão e disseminação cultural na região do Grande ABC.


IN: Quais os principais obstáculos impostos a quem se dedica à produção e disseminação cultural? Como superá-los?
Dalila: São poucos os que se dedicam à “disseminação” da cultura e esses estão divididos em duas categorias: aqueles que produzem grandes espetáculos, shows, peças teatrais ou exposições, que dependem de patrocínios e do mercado para circular, são os profissionais da área, que lidam com marketing, leis de incentivo, patrocínios; a segunda categoria, se é que se pode chamar assim, é a dos abnegados, que, por uma lei não identificada, dedicam-se às causas da cultura, são quixotes urbanos a duelar moinhos de vento, numa sociedade voltada para o espetáculo e as coisas da moda. Quanto à melhor forma de superar os obstáculos enfrentados por todo aquele que se dedica à criação artística, não existe fórmula para nada, mas eu diria que cabe a cada um fazer o melhor dentro da linguagem que escolheu, estudar, pesquisar, pois, um dia, se ele realmente tiver talento, obstinação e competência, as oportunidades surgirão.

IN: O que você entende por “cultura”? O que o termo representa na formação de um indivíduo?
Dalila: Depende, e esse é um assunto para um seminário inteiro, talvez um congresso. A conceituação de cultura é sempre um terreno pantanoso, perigoso mesmo. Há conceitos para todos os gostos. Eu prefiro pensar cultura no sentido antropológico do termo, ou seja, no sentido humanístico, cultura que vai além do cultivo das belas artes. Penso na cultura como o resíduo melhor do homem, tudo aquilo que pode melhorá-lo, elevar o seu espírito e dar-lhe uma melhor e mais ampla compreensão do mundo. Cultura é tudo aquilo que permanece como valor e que, numa sociedade massificada, representa o diferencial de cada indivíduo.

IN: O que você está lendo atualmente?
Dalila: Atualmente, sem jamais deixar de ler a santa poesia de cada dia e, aqui e ali, um romance (todos os de Saramago, por exemplo), tenho lido ensaios ligados ao pensamento contemporâneo, como forma de procurar entender um pouco melhor o nosso tão caótico mundo. Pensadores como Boaventura de Sousa Santos, George Steiner, Norberto Bobbio, Edgar Morin, Jacques Le Goff e Eric Hobsbawm, sem falar da importante obra de alguém mais próximo de nós, o sociólogo José de Souza Martins, nascido em São Caetano. Todos eles me ajudam bastante a refletir.

IN: Quase tão unânime quanto a baixa qualidade da programação das TVs é o juízo que liga o hábito de ler a uma formação sólida e desejável. Por que então tanta gente passa horas em frente à TV em detrimento a alguns momentos dedicados a leituras espontâneas? Como reverter esse quadro?
Dalila: A escola precisa voltar a priorizar a leitura e estimular a pesquisa e o pensar, única maneira de formar cidadãos que possam fazer escolhas. O ensino optou por “instrumentalizar” o cidadão para o mercado, deixando de lado a cultura humanística, única capaz de transformar, de “instrumentalizar” o cidadão para o discernimento. A pessoa que lê não reproduz, mas pensa e cria, toma decisões. Vive-se na era do simulacro e do fragmento, onde a lei do mais “fácil” impera. Aprender requer esforço, dá trabalho. Será preciso uma verdadeira brigada pró-leitura, diante da concorrência e da facilidade enganosa que o advento da Internet incutiu nos mais jovens, a ponto de se achar que livro é coisa do passado, que a Internet é o melhor meio de “estudo” e que basta clicar no “Google” para encontrar, imprimir e entregar, prontinho, ao professor, qualquer pesquisa, sobre qualquer assunto, sem a necessidade de nem mesmo ler o que se imprimiu.

IN: Você assiste a TV?
Dalila: Raramente, apesar de reconhecer a enorme importância desse veículo como meio de comunicação e lazer. É preciso, no entanto, que haja aquele discernimento de que falei antes, ou seja, ser capaz de mudar de canal e escolher, sob pena desse espectador virar um espantalho, robô comandado, sem direito a opção. Quando a TV chegou à minha vida, eu já tinha 14 anos e estava irremediavelmente contaminada pela leitura, vírus para o qual não descobri, nem quero, o antibiótico.

IN: Fale um pouco sobre a Alpharrabio. Qual a programação para os próximos meses?
Dalila: Alpharrabio Livraria e Editora, casa que fundei em 1993 e que desde então, além da livraria de livros usados e raros e a Editora, é também um centro cultural com uma atividade intensa e ininterrupta, um verdadeiro lugar de encontro. Além dos mais de 70 títulos já editados por nossa chancela, na sua quase totalidade de autores residentes no ABC, temos a alegria de ter incentivado artistas das mais diversas áreas a mostrar seu trabalho, além de promover o constante debate de idéias, através de ciclos de debates, encontros com escritores, leituras de textos, exibição de filmes e outras tantas. A próxima atividade e que encerra a programação de 2004 será Cinema Brasileiro Atual: Cultura e Sociedade, um ciclo sobre cinema brasileiro, coordenado pelo Prof. Humberto Pereira da Silva que ainda este ano (nos dias 4 e 11 de dezembro, às 16h) exibirá, comentará e debaterá com o público presente, os filmes Bicho de Sete Cabeças e O Invasor. Conforme for a receptividade do público, esse ciclo terá continuidade no próximo ano.

IN: Para encerrar, um trecho de uma obra.
Dalila:Eu citaria uma frase do crítico norte-americano Harold Bloom, que ilustra bem o conteúdo desta nossa conversa: “A informação está cada vez mais ao nosso alcance. Mas a sabedoria, que é o tipo mais precioso de conhecimento, essa só pode ser encontrada nos grandes autores da literatura” e completaria com outra, de Santo Agostinho: “Minha alma arde, porque quero saber”.


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