Veja abaixo alguns trechos da
entrevista com Dalila Teles Veras, autora de mais de uma
dezena de livros e que, à frente do espaço cultural
Alpharrabio, há mais de 12 anos incentiva a criação,
discussão e disseminação cultural na região do Grande ABC.
IN: Quais os principais obstáculos
impostos a quem se dedica à produção e disseminação
cultural? Como superá-los?
Dalila: São poucos os que se dedicam à “disseminação”
da cultura e esses estão divididos em duas categorias:
aqueles que produzem grandes espetáculos, shows, peças
teatrais ou exposições, que dependem de patrocínios e do
mercado para circular, são os profissionais da área, que
lidam com marketing, leis de incentivo, patrocínios; a
segunda categoria, se é que se pode chamar assim, é a dos
abnegados, que, por uma lei não identificada, dedicam-se às
causas da cultura, são quixotes urbanos a duelar moinhos de
vento, numa sociedade voltada para o espetáculo e as coisas
da moda. Quanto à melhor forma de superar os obstáculos
enfrentados por todo aquele que se dedica à criação artística,
não existe fórmula para nada, mas eu diria que cabe a cada
um fazer o melhor dentro da linguagem que escolheu, estudar,
pesquisar, pois, um dia, se ele realmente tiver talento,
obstinação e competência, as oportunidades surgirão.
IN: O que você entende por
“cultura”? O que o termo representa na formação de um
indivíduo?
Dalila: Depende, e esse é um assunto para um seminário
inteiro, talvez um congresso. A conceituação de cultura é
sempre um terreno pantanoso, perigoso mesmo. Há conceitos
para todos os gostos. Eu prefiro pensar cultura no sentido
antropológico do termo, ou seja, no sentido humanístico,
cultura que vai além do cultivo das belas artes. Penso na
cultura como o resíduo melhor do homem, tudo aquilo que pode
melhorá-lo, elevar o seu espírito e dar-lhe uma melhor e
mais ampla compreensão do mundo. Cultura é tudo aquilo que
permanece como valor e que, numa sociedade massificada,
representa o diferencial de cada indivíduo.
IN: O que você está lendo
atualmente?
Dalila: Atualmente, sem jamais deixar de ler a santa
poesia de cada dia e, aqui e ali, um romance (todos os de
Saramago, por exemplo), tenho lido ensaios ligados ao
pensamento contemporâneo, como forma de procurar entender um
pouco melhor o nosso tão caótico mundo. Pensadores como
Boaventura de Sousa Santos, George Steiner, Norberto Bobbio,
Edgar Morin, Jacques Le Goff e Eric Hobsbawm, sem falar da
importante obra de alguém mais próximo de nós, o sociólogo
José de Souza Martins, nascido em São Caetano. Todos eles me
ajudam bastante a refletir.
IN: Quase tão unânime quanto a
baixa qualidade da programação das TVs é o juízo que liga
o hábito de ler a uma formação sólida e desejável. Por
que então tanta gente passa horas em frente à TV em
detrimento a alguns momentos dedicados a leituras espontâneas?
Como reverter esse quadro?
Dalila: A escola precisa voltar a priorizar a leitura e
estimular a pesquisa e o pensar, única maneira de formar
cidadãos que possam fazer escolhas. O ensino optou por
“instrumentalizar” o cidadão para o mercado, deixando de
lado a cultura humanística, única capaz de transformar, de
“instrumentalizar” o cidadão para o discernimento. A
pessoa que lê não reproduz, mas pensa e cria, toma decisões.
Vive-se na era do simulacro e do fragmento, onde a lei do mais
“fácil” impera. Aprender requer esforço, dá trabalho.
Será preciso uma verdadeira brigada pró-leitura, diante da
concorrência e da facilidade enganosa que o advento da
Internet incutiu nos mais jovens, a ponto de se achar que
livro é coisa do passado, que a Internet é o melhor meio de
“estudo” e que basta clicar no “Google” para
encontrar, imprimir e entregar, prontinho, ao professor,
qualquer pesquisa, sobre qualquer assunto, sem a necessidade
de nem mesmo ler o que se imprimiu.
IN: Você assiste a TV?
Dalila: Raramente, apesar de reconhecer a enorme importância
desse veículo como meio de comunicação e lazer. É preciso,
no entanto, que haja aquele discernimento de que falei antes,
ou seja, ser capaz de mudar de canal e escolher, sob pena
desse espectador virar um espantalho, robô comandado, sem
direito a opção. Quando a TV chegou à minha vida, eu já
tinha 14 anos e estava irremediavelmente contaminada pela
leitura, vírus para o qual não descobri, nem quero, o antibiótico.
IN: Fale um pouco sobre a
Alpharrabio. Qual a programação para os próximos meses?
Dalila: Alpharrabio Livraria e Editora, casa que fundei
em 1993 e que desde então, além da livraria de livros usados
e raros e a Editora, é também um centro cultural com uma
atividade intensa e ininterrupta, um verdadeiro lugar de
encontro. Além dos mais de 70 títulos já editados por nossa
chancela, na sua quase totalidade de autores residentes no
ABC, temos a alegria de ter incentivado artistas das mais
diversas áreas a mostrar seu trabalho, além de promover o
constante debate de idéias, através de ciclos de debates,
encontros com escritores, leituras de textos, exibição de
filmes e outras tantas. A próxima atividade e que encerra a
programação de 2004 será Cinema Brasileiro Atual: Cultura e
Sociedade, um ciclo sobre cinema brasileiro, coordenado pelo
Prof. Humberto Pereira da Silva que ainda este ano (nos dias 4
e 11 de dezembro, às 16h) exibirá, comentará e debaterá
com o público presente, os filmes Bicho de Sete Cabeças e O
Invasor. Conforme for a receptividade do público, esse ciclo
terá continuidade no próximo ano.
IN: Para encerrar, um trecho de
uma obra.
Dalila:Eu citaria uma frase do crítico norte-americano
Harold Bloom, que ilustra bem o conteúdo desta nossa
conversa: “A informação está cada vez mais ao nosso
alcance. Mas a sabedoria, que é o tipo mais precioso de
conhecimento, essa só pode ser encontrada nos grandes autores
da literatura” e completaria com outra, de Santo Agostinho:
“Minha alma arde, porque quero saber”.